quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O segredo da dona Maria

Esta história aconteceu há uns tempo atrais...

Minha vizinha dona Maria, que não era pescadora nem nada, todo dia vortava do rio com cinco ou seis piaba.

Era todo dia, todo dia...

Ela ia pro rio depois do armoço e vortava cas mão cheia de piaba.


Eu não conseguia entendê como ela tinha tanta sorte.

Porque todo finarzinho de tarde eu ia pescá co meu fio e nós não trazia nada!


E no outro dia era a mesma coisa... Lá ia a dona Maria pru rio e vortava cas piaba pra casa.

Aquela sorte dela já tava me dano raiva!

Porque, todo dia, eu co meu fio ia no finarzinho da tarde e vortava cas mão abanando...


E eu que num sô home de dexá as coisa passá, resorvi descobri que segredo era esse!

Então um dia eu segui a dona Maria.
Ela terminava de armoçá e ia pro rio lavá loça e, enquanto lavava a loça ela jogava o anzol...

E pegava um atrais do outro!


Como eu só tinha espiado de longe, num deu pra descobri o segredo. 
Mas eu vi que era verdade, era ela mesma que pescava as danada das piaba.


No outro dia eu resorvi fazê diferente: na hora qui ela foi lavá as loça eu fui cum ela.

E foi aí que eu peguei a malícia!


Na verdade, quando ela lavava a loça ela jogava os resto de arroiz no rio, aí as piaba que não são boba nem nada, se reunia tudo por ali!


E aí ficava fácil!

Ela jogava o anzol no meio das piaba toda e, por isso, pescava uma atrais da outra...


Ah a dona Maria...

Aquela é que era pescadora esperta!

Deu nó em tudo nóis... hehehehehe


E quem me contou esta história foi o Sr. José, pescador e caiçara aqui na Ilha

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Monstro no Cerco

Ser pescador também tem seus perigos!

É verdade. Tem que estar sempre atento senão...


Eu já vi de tudo que você pode imaginar dentro de um cerco.

Já vi cobra d´água, lontra, peixinho e peixão. 
Mas a coisa mais perigosa que eu já achei dentro do cerco foi um jacaré!


É verdade!

Foi assim que aconteceu...

Saí de manhãzinha pra passar a rede e ver o que tinha dentro do cerco. Tava lá distraído, pensando na vida quando senti um peso na rede e alguma coisa se agitando pra valer.


Pensei que fosse uma tainha bem grandona, daquelas que salva o mês da gente. 
Como o bicho tava agitado, pulei lá dentro pra pegar a danada com as próprias mãos...


Foi aí que tomei um susto daqueles!

Não tinha tainha nenhuma... Era um baita dum jacaré que tava lá dentro.
O bicho devia ter um metro e meio de comprimento.

Mas não amarelei não!


Passei os braços por baixo do jacaré e joguei o danado pra fora do cerco!

Ele voou lá pra fora que nem viu o que acertou ele... Saiu nadando rápido e sumiu dali.

Esse nunca mais volta.


E há quem diga que não tem jacaré por estas bandas. Tem de monte!

Cê tá dando risada?
É verdade!

Pode perguntar pro meu pai... Ele viu tudo.

Nékié pai?


Quem me contou isso foi o Alex, pescador e contador de histórias lá de Iguape

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O mistério no telhado

Esta história aconteceu em Iguape e o pescador que me contou jura que é verdade verdadeira!


A caminho da Toca do Bugio, em Iguape, tem uma chácara que se chama Jejava.
Ali, como em todo lugar, mora um casal de caseiros.

E é a própria caseira quem conta, tim-tim por tim-tim um causo muito sinistro que aconteceu por lá...


Ela conta que, em uma certa época do ano, no mesmo mês, na mesma lua, passava alguma coisa por cima da casa dela.

Ninguém sabia o que era, ninguém nunca tinha visto nada, só se ouvia o arrastar no telhado!


Com o passar do tempo além do barulho, passaram a sentir um cheiro muito forte de peixe!
E toda vez era a mesma coisa, barulho no telhado e cheiro de peixe logo depois que a coisa passava...


Foi, então, que resolveram ficar de tocaia para ver o que era aquilo.
E na determinada época, na lua certa, do mês certo eles esperaram...

Se esconderam perto da casa e, em silêncio, observaram e o que eles viram foi assustador............................................................


Saiu de dentro do mato, no pé-do-morro, se arrastando sentindo o rio.
Quando a caseira viu aquilo se arrepiou e até fez o sinal da cruz!

Era uma cobra imensa... Saia do mato e se arrastava, lentamente, por cima da casa.


Apesar de assustadora, ela jamais atacou alguém.

Eles descobriram que aquela era a rota de caça da cobra, que já o usava muito antes da casa ser construída ali.

Alguns dias depois, lá voltava a cobra.
Voltava da caça, pelo mesmo caminho sentido morro acima, de volta para casa...


E era bonita de se ver...
Uma cobra velha, uma cobra enorme, uma cobra que cheirava à peixe!

Por muito tempo eles a viram por lá. 
Sempre na mesma época, no mesmo mês, na mesma lua.


Até que parou...

Não se sabe se mudou de rota ou se morreu, mas por muito tempo passou por cima daquela casa...



Quem me contou esta história foi o Rogério, antigo pescador de Iguape.
Ele me disse que tem tanta história pra contar que está até pensando em escrever um livro!


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O cerco

Na canoa esculpida em um único tronco, o pescador rema para chegar ao cerco. No percurso, além da certeza de encontrar os peixes, carrega consigo a satisfação de ver sua armadilha funcionar mais uma vez...


"Na época da tainha a coisa fica boa por aqui.
Quer dizer, fica boa pra quem tem vontade de 'trabaiá' né?

Todo dia de manhãzinha eu pego meu barco e vou conferir o que tem no cerco. 
Eu fico muito satisfeito quando minha armadilha funciona, porque não é fácil. Dá um trabalho danado pra construir e ela só dura três meses, depois apodrece tudo!"


Aos 66 anos, Francisco mantém viva a arte da pesca de cerco-fixo, e garante o sustento de sua família com esta técnica, há muitos anos.

"Mas tem ano que não tenho tanta sorte assim.
Faço a armadilha e não pego nada!

E fazer o cerco é um trabalho duro: tem que arrumar bambu, depois montar o cerco dentro do rio, amarrar tudo e não dá pra fazer sozinho, tenho que arrumar alguém pra me ajudar... E aí já viu né?"



"Montar o cerco não é problema, o problema é montar um cerco que pegue peixe! (risos)

Todo ano eu monto e todo ano eu aprendo alguma coisa diferente na montagem.
Ano passado foi duro: montei o cerco, gastei mais de R$ 100,00 só de fio e não tive sorte.

Não deu peixe e o trabalho foi perdido!"


O cerco é simples de entender: ele é todo feito de bambu, madeira e arame.

"A gente amarra tudo formando um tipo de curral e monta na 'bera' do mangue.
Aí, quando o peixe vem comer no mangue encontra essa parede que a gente chama de 'espia'. Ela vem de lá da margem até o curral e, quando o peixe tenta desviar, ele não consegue e é obrigado a desviar... Só que quando ele segue pelo espia não consegue achar a saída e acaba entrando na armadilha."


"Depois que ele entrou lá não tem como sair mais. O peixe circula procurando por onde sair, mas a armadilha tem um formato que faz com que ele volte pra dentro dela de novo.

Depois que tá lá é só passar a rede e pegar o que tiver lá dentro. Digo o que tiver porque se encontra de tudo no cerco!"


Com muitos anos de experiência na arte da pesca artesanal, José explica a importância do cerco para conservação e continuação das espécies.

"Depois de preso, o peixe, fica dentro da água até a gente ir tirar ele de lá e se o peixe for muito pequeno ou não 'prestá' pra vender ou comer a gente devolve pro rio."


Quando perguntei que tipo de espécies eles já capturaram no cerco, em meio à risos e gargalhadas, ouvi dizer que já encontraram lontra, jacaré e até boto cinza... Mas isso já é outra história!


E quem me contou esta e muitas outras histórias, ali na beira da praia, foi o Sr. Francisco e o Sr. José moradores de Iguape e pescadores desde que se entendem por gente.




quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O relógio

Eu não sei porque as pessoas duvidam das histórias de pescador...


Veja bem, se eu contar ninguém acredita, mas aconteceu com meu pai!

Ele foi pescar e, lá na beira do rio, tirou o relógio e pendurou no galho de uma árvore que ficava ali perto...


Terminou a pescaria no finalzinho da tarde e foi embora.
Só em casa, no outro dia, foi que se lembrou que esqueceu o relógio na árvore, mas já era tarde. Ele estava em casa, há quilômetros de distância do rio...


Foi só depois de vinte anos que meu pai voltou a pescar lá.
Estava tranquilo, concentrado na sua pescaria, quando começou a ouvir: tic-tac, tic-tac, tic-tac...


Procurou, procurou e encontrou...
Lá no alto da árvore, pendurado em um galho, o relógio que havia esquecido lá há vinte anos.


É verdade!
Foi meu pai que me contou...


E quem me contou esta história foi o Alex, que é filho do Seu Adelino. 

O Alex mora em Iguape e vive da pesca até hoje, diz que o Mar Pequeno já não é farto como antes, mas é o que ele sabe fazer!




domingo, 24 de agosto de 2014

O guardião

Ao voltar de uma pescaria em Cananéia, há uns 15 anos atrás, eu e meu irmão resolvemos jogar a rede pra ver se conseguíamos mais alguns peixes.


Isso foi ali perto do Saco-Largo, que fica perto de Pedrinhas. 
Bem, ao puxar a rede vimos que não tinha nada então resolvemos encostar em um barranco próximo à uma casa antiga.
Ali aproveitamos pra arrumar a rede e pegar água.


Enquanto a gente arrumava a rede, vimos um senhor, bem velhinho, se aproximando.
Ele perguntou: "Porque voceis tão aqui?"
Nós respondemos que só estávamos arrumando a rede e pegando água pra seguir viagem pra Iguape.
Rindo, o senhor disse: "Hoje o vento não tá bom pra pesca! Vento sul-oeste deixa a água muito clara".


Então todos demos risadas e ele foi se afastando pelo barranco. Em questão de minutos, sem que a gente percebesse, ele sumiu...
Desapareceu, foi embora como o vento que soprava naquele dia.

Eu e meu irmão nos olhamos, pegamos o galão de água e seguimos na direção da casa onde ele nos disse que morava. Ela ficava bem próxima, no barranco.

Quando chegamos na casa, vimos que ali, não deveria morar ninguém. A casa estava abandonada, com muito mato alto ao redor como se não aparecesse ninguém por ali há muitos anos.

Não entendemos nada, mas era hora de voltar para a embarcação e fomos embora.


Já na embarcação, seguimos por uns 700 metros, até onde encontramos uma casa pra poder pegar água.

Lá conversamos com o dono da casa, contamos mais ou menos o que tinha acontecido e ele riu dizendo que ali não morava ninguém e que o dono já tinha morrido há uns 30 anos.

Eu e meu irmão nos olhamos sem entender e eu resolvi perguntar como era o dono da casa, aquele que já tinha morrido.


Ele me contou que o dono foi um velhinho muito amável, de olhos muito azuis e longos cabelos brancos.
Olhei pra cara do meu irmão e dei uma risada.

O dono da casa, sem entender nada, me perguntou porque da risada. Achei melhor nem falar nada porque o velhinho que ele me descreveu foi o mesmo que vimos e conversamos...
E quem iria acreditar não é mesmo?

Depois dessa, nos despedimos e seguimos viagem para Iguape. 

E, até hoje, eu acho que aquele velhinho fica por ali cuidando da sua humilde casa, mesmo depois de morto!


Quem me contou esta história foi o Rogério Gomes.
Hoje ele não vive mais da pesca, mas me disse que tem história pra me contar até envelhecermos...






quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O Valo Grande

Foi há muito tempo que isso aconteceu...


Antes, aqui no Mar Pequeno você pescava de um tudo. Até cavalo-marinho tinha!
Tinha peixe de tudo quanto é espécie e tamanho e era fartura naquele tempo. 
Até cultivo de ostra nós tínhamos!


Mas aí alguém teve a ideia de abrir uma fenda no Rio Ribeira pra ficar mais fácil transportar o arroz. 

É que, antes, eles tinham que dar uma volta enorme pra trazer este arroz para Iguape e com este rego aberto as coisas ficaram muito mais rápidas. 
Só cabia uma canoa pelo buraco, passava certinho, mas já era o suficiente.


Só que ninguém contava com a força do rio. A correnteza foi abrindo aquele rego, arrastando tudo e misturando as águas.

O Mar foi virando rio, as águas foram ficando sujas, barrenta, cheia de aguapé.


Os peixes foram sumindo e os pescadores sofrendo cada vez mais.
Muitas vezes levanto cedinho, estico a rede, recolho e nada... Não vem nada!


É nisso que dá brincar com a natureza, ou eles acharam que não ia acontecer nada?
E a culpa é toda do 'mardito' arroz. É por causa dele que abriram esta ferida aqui: Valo Grande...

Grande mesmo é o sofrimento do pescador...

É verdade, foi assim que aconteceu!


Esta história quem me contou foi o Seu Adelino (este aí da direita), pai do Alex.

Hoje ele é aposentado, não vive mais da pesca, por isso estampa este sorrisão e vive a vida mais tranquilo mas sonha com o fechamento da barragem e a volta da fartura no Mar Pequeno.