quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O cerco

Na canoa esculpida em um único tronco, o pescador rema para chegar ao cerco. No percurso, além da certeza de encontrar os peixes, carrega consigo a satisfação de ver sua armadilha funcionar mais uma vez...


"Na época da tainha a coisa fica boa por aqui.
Quer dizer, fica boa pra quem tem vontade de 'trabaiá' né?

Todo dia de manhãzinha eu pego meu barco e vou conferir o que tem no cerco. 
Eu fico muito satisfeito quando minha armadilha funciona, porque não é fácil. Dá um trabalho danado pra construir e ela só dura três meses, depois apodrece tudo!"


Aos 66 anos, Francisco mantém viva a arte da pesca de cerco-fixo, e garante o sustento de sua família com esta técnica, há muitos anos.

"Mas tem ano que não tenho tanta sorte assim.
Faço a armadilha e não pego nada!

E fazer o cerco é um trabalho duro: tem que arrumar bambu, depois montar o cerco dentro do rio, amarrar tudo e não dá pra fazer sozinho, tenho que arrumar alguém pra me ajudar... E aí já viu né?"



"Montar o cerco não é problema, o problema é montar um cerco que pegue peixe! (risos)

Todo ano eu monto e todo ano eu aprendo alguma coisa diferente na montagem.
Ano passado foi duro: montei o cerco, gastei mais de R$ 100,00 só de fio e não tive sorte.

Não deu peixe e o trabalho foi perdido!"


O cerco é simples de entender: ele é todo feito de bambu, madeira e arame.

"A gente amarra tudo formando um tipo de curral e monta na 'bera' do mangue.
Aí, quando o peixe vem comer no mangue encontra essa parede que a gente chama de 'espia'. Ela vem de lá da margem até o curral e, quando o peixe tenta desviar, ele não consegue e é obrigado a desviar... Só que quando ele segue pelo espia não consegue achar a saída e acaba entrando na armadilha."


"Depois que ele entrou lá não tem como sair mais. O peixe circula procurando por onde sair, mas a armadilha tem um formato que faz com que ele volte pra dentro dela de novo.

Depois que tá lá é só passar a rede e pegar o que tiver lá dentro. Digo o que tiver porque se encontra de tudo no cerco!"


Com muitos anos de experiência na arte da pesca artesanal, José explica a importância do cerco para conservação e continuação das espécies.

"Depois de preso, o peixe, fica dentro da água até a gente ir tirar ele de lá e se o peixe for muito pequeno ou não 'prestá' pra vender ou comer a gente devolve pro rio."


Quando perguntei que tipo de espécies eles já capturaram no cerco, em meio à risos e gargalhadas, ouvi dizer que já encontraram lontra, jacaré e até boto cinza... Mas isso já é outra história!


E quem me contou esta e muitas outras histórias, ali na beira da praia, foi o Sr. Francisco e o Sr. José moradores de Iguape e pescadores desde que se entendem por gente.